Rádio Freamunde

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segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

13 de Dezembro. S. Luzia - Feira dos capões:


É das feiras/festas realizadas em Freamunde em que não há procissão. A capela de S. António está todo o dia aberta para quem quiser satisfazer alguma promessa. Às nove e onze horas foi celebrada uma missa em honra de S. Luzia.
Por várias vezes fiz referência a esta feira e nunca me canso de o fazer pelo facto de ser um ex-líbris da minha terra e por isso todos sentimos carinho e gostamos de receber bem os forasteiros que nos visitam. Ficam a conhecer um pouco da nossa história e bairrismo e deixam o comércio local mais rico. É com prazer e sentido de bem receber que a isso nos propomos.
Que diferença em relação à metade do outro século. Nesse tempo nós rapazes de 10 anos para cima o que procurávamos era acarretar uns pares de capões e com isso receber uma gorjeta. Pareciam galifões à espera de uma carrega, os mais pequenos fisicamente como eu, sujeitávamos ao que restava.
Somos "capões", sim senhor!... / A natureza a brincar, / tirou ao galo o melhor / pô-lo no dono a dobrar...
Para quem não passou por estes tempos, caso dos meus filhos, passo a explicar essa tradição. Finais da década de cinquenta, sessenta, deslocavam-se à feira de S. Luzia centenas de pessoas com a finalidade de comprar um par de capões. Uns com o intuito de na véspera de Natal o saborear, outros para os oferecer por favores prestados.
Como as viaturas tinham de ficar bastantes retiradas e os capões eram pesados e alguns faziam sujidade nós miúdos aparecíamos para os acarretar a troco de uma recompensa. Às vezes eram mais os miúdos para os acarretar que compradores a solicitar o nosso serviço e aí os mais fortes fisicamente faziam valer o seu físico, aliás nem diziam nada, nós compreendíamos a situação.
Vou descrever algo, já o escrevi num texto, passado comigo em mil, novecentos e sessenta: “Nesse dia coube em sorte a mim e a outro colega carregarmos uns capões num percurso de duzentos metros. Quando chegamos à viatura deparamos com um motorista fardado a preceito que meteu os capões na mala do carro. De imediato o senhor - patrão do motorista - meteu a mão na algibeira e deu-me uma nota de vinte escudos e ao meu colega a mesma quantia mas em moedas. Nessa altura retirei a mão pois não acreditava naquilo e tive medo de receber tanto dinheiro – o habitual era dar vinte e cinco tostões e em trajectos mais longos. O senhor fez questão para nós aceitarmos o dinheiro que era dado com todo o prazer”.
Nesse dia os nossos pais aproveitavam para apreciar os preços do calçado e da roupa para ver o orçamento com que podiam contar para dar ao filho mais necessitado pelo Natal. Regra geral era sempre para o mais velho, o imediato ficava com o que ele deixava e assim sucessivamente. Quando a compra não era feita no comércio da terra para ir para o livro de fiados.
Ao cair da noite íamos para os arrabaldes da vila, hoje, cidade, vermos os carros e autocarros a partir e ficávamos admirados com tanto trânsito e confusão. Hoje é mais à base de automóveis mas faz-se muito negócio. Só se espera que esteja um dia bom, sem chuva, porque ganham todos, Santa Luzia, comerciantes e compradores.
A tradição manteve-se. Conceição de chuva Luzia de sol, Conceição de sol Luzia de chuva. Os antigos, no tempo que não havia como hoje há o boletim meteorológico, dizia que se no dia da festa em honra de Nossa Senhora da Conceição, oito de Dezembro, se chovesse sabia-se de antemão que no dia de Santa Luzia, treze de Dezembro, vinha sol. Estas duas festas são celebradas aqui na minha terra por isso a azáfama para se saber do comportamento do tempo. E como de um modo geral os antigos mais uma vez tiveram razão. 
Aos que não compram pelo menos levam um pouco da nossa tradição e sabedoria que é dada com todo o prazer.
Cá tenho as minhas razões / (ou eu não fosse mulher...): / vendo pra fora os capões / que em casa ninguém os quer...
Versos: Rodela e Fernando Lacerda

2 comentários:

  1. Venho do blogue "crónicas do rochedo" e já há dois dias tinha aqui vindo ler a outra crónica sua. É bom que alguém se interesse pela tradição. Hoje, com a globalização, perde-se tudo e é pena porque eu lembro-me muito bem do que se passava quando era criança. Nessa altura o "Dia da Mãe" era celebrado a 8 de Dezembro. Para mim continua a sê-lo apesar dela já cá não estar. Eu sou algarvia mas a sua maneira de escrever associa-se muito ao modo como nós também lá falamos. Aqui, (agora vivo no concelho de Cascais, porque com muito esforço e porque era muito boa aluna consegui vir estudar para Lisboa e por estas bandas fiquei), ninguém usa o termo acarretar. Nós lá também dizíamos: "Nossa Senhora da Conceição faça sol e chuva não". Fique bem.

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  2. Estou de pleno acordo consigo Anfitrite. A tradição faz parte ou devia fazer parte da nossa história. Sabe-se que a história era-nos contada por um historiador ao serviço de alguém. Por esse motivo e´ que ela e´ rica nos vários países em que e´ revelada. De certa maneira fala-nos dos feitos importantes deixando para trás, ou não revelando com mais rigor os insucessos. Dou exemplo a Batalha de Alcácer-Quibir. E´ mais lembrada pelo saudosismo de D. Sebastião.
    Aqui em Freamunde tentamos ser diferentes. Valorizamos mais as nossas essências e como disse as tradições. Somos a favor que “e´ dos pequenos que reza a história”. Por isso o afinco com que revelamos a nossa cultura. Não e´ por acaso que nos atribuem as características de terra de Cultura, Trabalho e Paz.
    Somos uma terra com tradições culturais e as várias colectividades têm um grande peso nessa cultura: Bombeiros Voluntários, Clube de Caça e Pesca, Columbofilia, Grupo Teatral Freamundense, com vários prémios ganhos a nível nacional, Rancho Folclórico, Ensamble Vocal, Festas Sebastianas, Sport Clube de Freamunde, Associação Musical de Freamunde e Associação Cultural e Recreativa Pedaços de Nós com os vários grupos que a compõem: Castanholas, Ecosons, Pedasons, Grupo de Teatro, Big Band, Laços de Nós e Poesia.
    Tudo isto dá trabalho e despesas monetárias. Sendo uma terra com oito mil habitantes logo se depreenderá que e´ pelo seu cariz e bairrismo que todas estas colectividades sobrevivem. Estou como diz que a globalização está a relegar as tradições para segundo plano.
    Por isso o meu empenho em deixar aos mais novos, exemplo os meus filhos, um pouco da história de Freamunde. Mas poucos querem saber. Pelo contrário. Por vezes ainda criticam. Não sou contra a globalização mas antes devia-se preservar-se o que e´ nosso. Mas não são só os jovens.
    As autarquias têm um peso fundamental na perseverança deste património. A falta de um arquivo onde se podia depositar e consultar o legado que os mais antigos nos contaram.
    Ainda hoje dou valor aos mais velhos que eu e, já não sou criança nenhuma, quando me contam passagens vividas nas suas meninices, juventude e adolescência. Se puder ou saber transformo-as logo numa crónica. Mas a sabedoria não e´ muita.
    Por isso luto muito para levar aos que me lêem aquilo a que me quero referir. Mas, mesmo assim vejo e não me arrependo das horas gastas e do dinheiro despendido. Sou a favor que: o saber não ocupa lugar, e´ bendito e bem certo o ditado, que depois de se saber, somos recompensados com o resultado. Para terminar agradeço-lhe o comentário elogioso.
    Falar da nossa essência nunca e´ demais. Acabo com uma alocução que Rui de Carvalho fez sobre Freamunde e a sua gente numa visita a Freamunde a convite do Grupo Teatral Freamundense e que tenho publicado no meu blogue: "Não: a terra não é positivamente, das mais bonitas!... Mas a paisagem humana...essa é divina e rara...!" https://youtu.be/dpjUGH6I0S4

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