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sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Morrer. Mas com dignidade:


Nunca na minha vida pensei ouvir ou ler coisas como esta: Miguel Oliveira da Silva, presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, informou que o Ministério da Saúde deve limitar o acesso aos medicamentos mais caros para tratar doenças como a sida ou o cancro. Se fosse um Medina Carreira nada de algo me alarmava. Agora vindo de um médico é de bradar aos céus.
A função do médico é salvar vidas e caso contrário ajudá-lo para que tenha uma morte digna. Ainda dizemos que estamos em democracia com este governo. Democracia é valorizar a vida dos seus concidadãos. Há anos criticávamos, e bem, na Roménia de Nicolae Ceauşescu as camaratas com crianças com problemas de foro psiquiátrico que ali estavam amontoadas. Dizíamos que todos têm direito a uma qualidade de vida seja ou não deficiente, com saúde ou sem ela.
 Tenho, infelizmente, experiência do que é ser canceroso. Passei horas, dias e meses a correr para o IPO do Porto. Vários exames, várias consultas médicas, duas intervenções cirúrgicas e tratamento de quimioterapia. Vi a miséria e sofrimento dos doentes que ali estavam internados e dos que iam às consultas. Os semblantes com que saiam das consultas depois de lhes ser diagnosticado o cancro. O carinho que os funcionários, todos eles, desde médicos aos mais simples, nos dispensavam. Muitas vezes o nosso pensamento ia para que estávamos em fase terminal de vida. Quem não passou por isto, ou nenhum dos seus familiares, admito que esteja a leste destes problemas, agora um médico determinar esta qualidade de vida para os desgraçados que têm a triste sina de ser canceroso ou seropositivo é de lamentar. Julgava que o Hitler tinha morrido e estava bem enterrado. Mas não. Ainda aparecem alguns a escolher o tipo de homens que devem formar a sociedade. Altos e louros e sem doenças.
Há dias ao perguntar a um colega meu sobre o cancro da sua esposa ele me informou que ia de mal a pior. Disse que na última consulta que teve no IPO a médica informou-os que a sua esposa tinha uns meses de vida. Não disse nada à médica mas ao outro dia foi reclamar que essa notícia devia ser dita a ele para não fazer ainda sofrer mais a esposa. Ainda me disse que só ele e ela, mais ela, sabem o que é sofrimento. Está a ser medicada e bem medicada para o sofrimento ser atenuado. Julgo que ao ter conhecimento das bacoradas ditas por Miguel Oliveira da Silva os impropérios com que o adjectivou.
Esta medida só vem para os mais desfavorecidos. Quem tem dinheiro pode combater a dor. É isto que o des (governo) de Passos Coelho quer. Não tem respeito por quem tudo fez pelo seu País. Com o seu trabalho, o cumprimento da vida militar com sacrifícios da própria vida e quando a vida lhes está a fugir tiram-lhes tudo: a esperança de uma morte com dignidade e sem sofrimento. Ainda ironizávamos os soviéticos com a injecção atrás da orelha. O que este governo nos está a fazer não é pior?
Peço à deputada Isabel Moreira e todos os deputados do PS, PCP e BE, que tudo façam para que esta medida não vá para a frente. Fiquem cientes que os cancerosos e seropositivos portugueses vos agradecem e é a forma para que o texto de Bertold Brecht não se torne realidade.

Primeiro levaram os negros.
Mas não me importei com isso.
Eu não era negro.
Em seguida levaram alguns operários.
Mas não me importei com isso.
Eu também não era operário.
Depois prenderam os miseráveis.
Mas não me importei com isso.
Porque eu não sou miserável.
Depois agarraram uns desempregados.
Mas como tenho meu emprego.
Também não me importei.
Agora estão me levando.
Mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo.

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