Era de madeira e envernizada. Na fábrica em que trabalhava (António
Pereira da Costa) quando um dos seus operários ia assentar praça os
administradores ofereciam uma mala. Evidentemente que fiquei agradecido por tal
acto.
Essa mala também partiu comigo para Angola. Coitada! Tal como eu, não
fez mal a ninguém para ser para ali deportada. Mas como se costuma dizer: amigo
que é amigo, neste caso amiga, não se abandona. Assim foi a minha fiel amiga.
Era ela que durante vários meses me lembrava e unia-me à minha terra.
Tinha-lhe um carinho especial. Ali foi guardada a farda militar e
alguma roupa civil: um par de calças, uma camisa, peúgas e um par de sapatos.
Coisa pouca.
Nunca se fez rogada por receber mais uma camisa ou um par de calças que
os meus pais me ofertavam pelos anos, Páscoa ou Natal. Nunca se queixava. Era
pau, neste caso madeira, para toda a colher.
A sua estadia era debaixo do beliche. Ali se encontravam outras, mas
nenhuma com a sua característica: de madeira e envernizada e com uma fechadura.
Pelo tempo fora ali foram guardadas cartas e aerogramas vindos da
Metrópole: dos pais, irmãos, namorada e amigos. Madrinha de guerra nunca tive.
Era um preguiçoso para escrever e ter uma madrinha de guerra obrigava-me a mais
escrita.
Se na ida para Angola, poucas recordações levava, para cá vinha cheia
delas. Se lhe desse vida - não fosse um ser morto – lembrava-se das alegrias e
tristezas que nela eram guardadas. O medo que nos entranhava, as alegrias
esporádicas, a conversa entre companheiros, de tudo se apercebia, mas nada
revelava. Por isso era um ser morto.
Mas era a minha mala. Não de cartão. Era de madeira e envernizada.
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