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domingo, 10 de dezembro de 2017

Prendas de Natal:

Um casaco de malha para um neto, um kispo para o outro, um perfume para a esposa e outro para a filha, uns ténis para o filho e para mim a graça deles todos. Nada é comprável ao Natal da minha meninice. Vou falar nele.
Eram tempos difíceis. Em que umas peúgas, nesse tempo era mais usual chamar-lhe meias. Também não percebo porque lhes chamavam meias se eram inteiras. Algumas vinham até meio das coxas. Isto claro nas senhoras. Se fosse nos homens eram apelidados de maricas.
Fosse como fosse eram tempos que hoje só interessa lembrar para os mais novos terem uma noção como era a vida na década de cinquenta ou sessenta. Numa coisa era diferente: a família. Que reunia e estava junta até altas horas da madrugada.
À luz do candeeiro jogava-se ao Rapa a pinhões. Depois os nossos pais lá nos mandavam para a cama para pôr no sapato as parcas prendas a que já estávamos habituados.
Era tal a miséria que nesse tempo era o Menino Jesus que vinha pôr os presentes. Depois não usava o mesmo critério. Fazia distinções. Havia quem dizia que era pelo facto de não nos portar bem.
Depois de ver outras crianças mais mal comportadas que eu e com prendas melhores que me levava a pensar em praticar asneiras como eles.
Ia à missa e à catequese e por vezes ao terço e os outros não queriam saber nada disso. Alguns até eram filhos de jeovás.
Na escola fazia por ser dos melhores alunos. Na Aritmética – nesse tempo ainda a Matemática era desconhecida – dava cartas. A História sabia de fio a pavio todas as dinastias. Desde D. Henrique a D. Manuel II. Mas tudo isto não contava para o Menino Jesus. Fazia todos os recados que os meus pais mandavam. Até embalava o berço dos meus irmãos.
Seria ele a querer vingar-se ou a nos fazer ver que teve um nascimento pobre? Será por ter nascido numa gruta no meio de palha na presença de um burro e de uma vaca! Não creio que seja por isso.
De uma coisa tenho a certeza. Com a invenção do Pai Natal as prendas melhoraram. Seria pelo nível de vida dos portugueses ser melhor? De certeza que sim. Também o Natal passou a ser uma festa ao consumo.
Mas mesmo assim ainda me mete confusão – criou um trauma em mim – ver ainda hoje crianças a serem contempladas com prendas caras e outras não terem nada. E ainda mais por ver “pais natais” estes à frente do Concelho todos sorridentes a entregar as prendas aos filhos dos seus funcionários.
Alegria para uns tristeza para outros. A abundância sujeita a ter uma congestão a miséria a ficar esquelética.
Depois as crianças deste concelho ao ver isto devem pensar o que eu pensava quando tinha a idade deles: “Depois de ver outras crianças mais mal comportadas que eu e com prendas melhores que me levava a pensar em praticar asneiras como eles”. Não seria mais correcto os tais “pais natais” absterem-se de tais procedimentos! Ver que no concelho ainda há miséria! Muita escondida.
Por isso nada me admira e até concordo que as muitas crianças deste concelho um dia sintam repulsa por esta democracia.

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