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domingo, 18 de fevereiro de 2018

O primeiro capítulo de uma tragicomédia de fim-de-semana:

Há quem faça gala em dizer-se incapaz de ler o «Expresso», não só para escusar-se a contribuir para o negócio da família Balsemão, mas também por sempre nele adivinhar textos capazes de lhes suscitar justificada indignação ao situarem-se invariavelmente muito à direita.
Discordo claramente desse posicionamento, mais emotivo do que racional. Não constitui regra imprescindível das teorias militares que se procure saber o que se passa no outro lado da trincheira? Como se pode vir a ser eficaz no combate a quem nela se situa se não se lhe conhecerem as estratégias?
A publicação em papel desta semana traz muitas matérias a merecerem o nosso comentário e por isso serão tratadas em mais do que um texto.























A começar temos a colaboração regular, que mais costuma merecer a minha atenção: o cartoon de António, normalmente capaz de por si mesmo substituir mil palavras. É o caso do que se passa esta semana com o calvário de D. Manuel Clemente, subitamente confrontado com o quão disparatada terá sido a mediática opinião sobre o sexo entre recasados. Por isso arranjou forma de tentar corrigir o erro, fazendo-se entrevistar pelo próprio diretor do semanário. Afinal  não teria querido dizer propriamente o que terá saído da sua pena. Pelo contrário nós é que somos culpados da situação, porque o teremos interpretado mal. Pondo-se no papel de vítima incompreendida, o cardeal quer sair bem no filme, mas foi tão evidente o seu ultramontanismo, que nem pintando-se de que cor fosse, conseguiria apagar mais uma significativa mancha no seu já escuro currículo.
Chamado também para assunto de capa veio Cavaco Silva de quem se publica extensa entrevista na Revista. Sem prejuízo do que sobre ela virei a comentar fica já sublinhado o grande objetivo dos editores, que dela selecionaram como tema preferencial o da renovação do mandato de Joana Marques Vidal. O que vai ao encontro do que se tem ouvido a vários participantes no Congresso do PSD: para a direita será fundamental que as coisas continuem tal qual estão no reino corrupto do Ministério Público. Quanto temem que, com a saída da Procuradora-Geral, a Justiça se manifeste menos zarolha e, em vez de parecer cingir-se politicamente ao que lhes convirá explorar, se passe a dar maior atenção a casos até aqui desprezados como os dos submarinos ou o da Tecnoforma!
É igualmente curiosa a preocupação do principal órgão de comunicação enfeudado às direitas em dar voz à sinistra múmia, que tanto mal causou a milhões de portugueses, apesar de por eles ter sido sucessivamente guindado aos principais cargos da República (o que nos fez, amiúde, desconfiar da sua sageza!). Será que querem preparar-lhe um vistoso funeral de Estado, quando alguém for suficientemente persuasivo para o informar de estar há muito morto e ninguém lhe ter dito nada? Se o filho do gasolineiro ainda tem alguma ilusão quanto a ser homenageado na mesma dimensão em que o foram Mário Soares e, sobretudo, Álvaro Cunhal, bem pode tirar o cavalinho da chuva. Nem a persistência dos seus tenazes admiradores bastará para que a cerimónia venha a ser pouco mais do que privada.
Saindo dos assuntos trazidos para a capa do primeiro caderno entramos na segunda página e, finalmente, Martim Silva consegue pôr António Costa a encabeçar os Altos da sua coluna sobre quem está em evidência pelo que ele ajuíza serem bons ou maus motivos. Nem o esforçado Martim consegue ignorar “o maior crescimento real deste século (…) em convergência real com a Europa.” Tal reconhecimento confirma que, na redação do «Expresso», se adivinham tempos difíceis para quem lhes vai no coração, politicamente falando. E isso é óbvio no tom lastimoso de Pedro Santos Guerreiro, diretor do jornal, no seu editorial. Pressente-se-lhe a angústia de constatar um Congresso laranja marcado pelo cinismo de quem aplaude Rio “com as mãos moles e a ponta e mola no bolso.” E, logo identifica quem se apresta a conspirar contra o novo líder: “São os da corte ameaçada, são os patinadores no gelo que nunca passam das ameaças e são as máquinas de calcular futuros, os seus próprios futuros. Ouve-se o barulho do acelerador mas cheira a embraiagem. Para meter a próxima mudança.” Pode-se não apreciar o que lhe vai na alma, mas tem de se reconhecer o bom estilo!  E acaba com um apelo lancinante: “[Rio] ganhou o direito de ser apoiado pelo partido que, antes dele, já sofria de raquitismo político, intelectual - e eleitoral”.
Na mesma página outro dos jornalistas mais conotados com a direita no semanário (Filipe Santos Costa) alinha as áreas sobre as quais seriam desejáveis acordos do Bloco Central e a que insiste em chamar «reformas estruturais»: a Justiça (ou seja dar ainda mais força aos que querem dela servir-se para conseguirem que a vontade expressa pelos eleitores  possa impedir coisas esdrúxulas como foi exemplo a investigação a Mário Centeno), o sistema político (ou seja o favorecimento de condições para maiorias absolutas de direita e limitações engenhosas às que se possam formar à esquerda), a descentralização (ou seja a criação de muitos cavaquistões) e a Segurança Social (ou seja privatizando-a e cortando a eito na “peste grisalha”). Por muitas ilusões que as direitas tenham quanto à exequibilidade de tal projeto não contará com o beneplácito de um Partido Socialista que, pela voz de Pedro Nuno Santos já veio esta semana expressar outra interpretação para o que considera reformas necessárias para o país.
Ficámos ainda assim a saber que, nem sequer entre os seus, Rio consegue ter garantidos apoios para as armadilhas internas, que lhe estenderão passo a passo, contando, ainda assim, na sua equipa com um valete cavaquista do gabarito de Nunes Liberato, que em Belém terá assistido e quiçá participado em muitas inventonas contra José Sócrates. Tratando-se de um notório cortesão da já referida múmia podemos depreender que o sentido da expressão «diz-me com quem andas…» faz todo o sentido para quem da política se cola a ajudantes de caudilhos tão pouco recomendáveis…

Publicada por jorge rocha 

Do blogue (Ventos Semeados)

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