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sexta-feira, 16 de março de 2018

Carlos Alexandre e o seu quintal:

(Por Valupi, in Blog Aspirina B, 14/03/2018)

juiz-carlos-alexandre
Carlos Alexandre voltou à ribalta a propósito de mais um encobrimento da Justiça, a recusa de afastamento pelo Tribunal da Relação de Lisboa pedido pela defesa de Sócrates, e com as suas declarações sobre Orlando Figueira no tribunal por causa da “Operação Fizz”. Esta pacóvia e tenebrosa pessoa já tem obra publicada que chegue para se declarar um estado de vergonha nacional.
Sobre a recusa de afastamento, e esquecendo os motivos precisos apresentados nesta ocasião, fica a esperança de que um dia alguém faça uma tese de doutoramento numa faculdade de Direito (ou/e de Psicologia, ou/e de História, ou/e de Antropologia) à pala deste espectáculo de vermos um juiz a dar uma entrevista onde ataca um arguido cujo processo está à sua responsabilidade e depois assistirmos a tal conduta, tão imoral quanto ilícita, ser validada pelo Conselho Superior da Magistratura. Quer dizer que a doença não é só nem principalmente de um indivíduo isolado, antes fica indelevelmente como uma disfunção aberrante da própria Justiça como instituição pilar da República – logo, uma disfunção aberrante do regime, posto que a soberania está a ser usada para permitir a violação dos direitos de um cidadão e da própria comunidade.
Sobre as declarações em tribunal a respeito de Orlando Figueira, estamos face a um vendaval de libertinagem. Recordemos: este Figueira é o tal amigo que emprestou, em 2015, dinheiro ao tal juiz que, em 2016, declarava pimpão a um canal de TV não ter amigos que lhe emprestassem dinheiro. Registemos: a situação, por si admitida, é exactamente igual àquela que Sócrates descreve na sua relação com Santos Silva, ao ponto de nos relatos de ambos se apontar para a longevidade das amizades em causa e para o nível de vida desafogado de quem emprestou como razões para justificar os pedidos ou a aceitação dos empréstimos. Com esta diferença, ter um juiz com essa tipologia de promiscuidade com um procurador e a mentir deliberadamente a um órgão de comunicação social no acto mesmo de abandonar a sua imparcialidade sobre um dado arguido à sua responsabilidade judicial é muito mais grave do que qualquer eventual mentira de um político envolvido em processos judiciais.
A libertinagem torna-se feérica ao sabermos que o mesmo Figueira recorreu à mulher do juiz vedeta incensada no esgoto a céu aberto, a qual trabalha nas Finanças, para obter um qualquer favor fiscal, enquanto o currículo do jovem Alexandre ia parar ao amigo Figueira para este lhe encontrar trabalho em Angola, a mesma Angola donde veio dinheiro para o Figueira levantar em Andorra. Mas esta rede de cumplicidades, favores e segredos não consegue beliscar a perfeição moral do orgulho de Mação. Ele desenvolveu uma teoria que se baseia num método infalível: “Almoçávamos juntos muitas vezes. Conheço-o bem.” E quão bem conseguiu Carlos conhecer Orlando após o ver tantas vezes de boca aberta? Bom, que cada um julgue por si: “Quero assegurar ao tribunal que nunca encontrei um traço na personalidade dele que coloque em causa a sua confiabilidade e honradez.” Ou seja, este juiz está munido de uma concepção que relaciona a “personalidade” e seus “traços” com a “confiabilidade” e a “honradez”, e vai para os tribunais apregoar essa insanidade matriz de todos os despotismos. Pior, aplica-a no trabalho diário que lhe foi confiado pelo Estado.
A par da entrevista à SIC, há uma peça deste grotesco simulacro de isenção que expõe o tortuoso labirinto onde a sua perdida integridade se arrasta: O discurso de Carlos Alexandre inspirado no antigo presidente do PS. O tema é “corrupção”. Eis como começa:
«Antes de mais, quero esclarecer quem me escuta sobre a forma como aqui apareci. Há quase um ano, um amigo meu, Rogério Jóia [quadro da PJ], referiu-me ir sugerir o meu nome, para figurar neste painel, aos distintos organizadores. Embora sejamos oriundos das serranias, lá onde ‘até as silvas dão rosas’, ele da campina de Idanha, eu de Mação, na que era do pinhal, tentei dissuadi-lo. Disse-lhe, e é o que mantenho, que tem razão a senhora, perdão têm razão todos os que dizem que sou uma mente simples, um homem ‘sem mundo’.
Na altura eu não sabia, não intuía, quem eram as pessoas que vinham apresentar comigo neste evento. Sendo eu um cidadão comum que deve à divina providência a graça de ter chegado até aqui, muito por força e em razão do lugar onde, já há mais de doze anos, exerço funções e ao favor dos média, pensando eu que esse favor dos média, dos tablóides como alguém já disse, só pode ocorrer porque traduzo e postulo as preocupações dos meus co-cidadãos perante o passado e o presente de cada um deles. Eu em mim não sou nada!
Mas enfim. Dizia Francisco Serrano um velho maçanico letrado: ‘Quem muito quiser saber corra o mundo ou aprenda a ler!’ As minhas condições materiais de existência, conhecidas da generalidade dos interessados porque eu próprio as divulguei e nada oponho a que sejam públicas, não me permitem correr mundo. Vou como Xavier de Maistre ‘ali até ao quintal’. E leio, ouço, vejo.»
Que caralho é isto? É uma ameaça genérica embrulhada num autopanegírico. Carlos Alexandre, o justiceiro que vê nos tablóides a prova de estar ao serviço do povo, imita os aviões de combate que lançam flares para despistar eventuais mísseis inimigos enquanto se dedicam ao bombardeamento dos alvos. Ele é o super-juiz que tudo lê, tudo ouve e tudo vê lá na sua saleta do DCIAP, e que depois não se esquece de nadinha, nem as alcunhas da malandragem apanhada no seu quintal escapam.
Saltemos para o fim da charla:
«Minhas Senhoras e meus Senhores. Este pequeno contributo não é auto promocional. Tenho estado sujeito a muita exposição pública, que não fomento.
Tomei boa nota da principiologia e regulamentação, quer a nível de leis atinentes, quer de critérios interpretativos sobre o que disse em espaço público noutras ocasiões. Ao longo da consulta dos livros que referi, encontrei muitas situações e capítulos de vida que parecem ser figurino comum.
Nada do que disse, no meu espírito, nas minhas palavras, pode ser assacado a um caso concreto qualquer que tenha em mãos!»
Não se pense que se trata da manifestação de um primarismo chocante numa figura com a sua função e responsabilidades a conclusão autoreferencial e rasteira do seu discurso. O que aqui temos é antes uma exibição de ironia soberba (mas não de soberba ironia), a qual atravessa todo o discurso e que explica a escolha de Almeida Santos como veículo de colagem do tema da corrupção a Sócrates e ao PS. Carlos Alexandre diverte-se a exibir um poder que declara radicar não na Constituição, não no Estado e não no Soberano mas na “divina providência” e sua “graça”. É por isso que não quer abandonar o combate ao mal que o entusiasma tanto, lá onde lhe dão a conhecer diariamente e com todos os detalhes a podridão dos corruptos da política e da banca (mas só se esta cair em desgraça, atenção, nada de disparates). E ele há tanta porcaria por aí, tanta, que se não fosse a força divina que o anima e guia nada mais teríamos para nos salvar do que o corrupto Estado de direito democrático e sua satânica defesa da liberdade.

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