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sexta-feira, 13 de agosto de 2010

E.P.R. Guimarães:



A cadeia de Apoio de Guimarães era chefiada pelo Subchefe Josefino, que foi transferido para o E. P. Vale dos Judeus. Esteve uns dias para me dar umas instruções e fazer a entrega do armeiro e outras coisas mais.
Era pequeno. A lotação era de vinte e nove reclusos. Tinha setenta. Adaptei-me com facilidade, embora, reconhecendo que era muito diferente do E. P. de Paços de Ferreira. Havia falta de muita coisa. O Director era também do E. P. R. de Braga, ou seja, a Cadeia de Guimarães era de Apoio à de Braga, vinha poucas vezes ali. Comecei a inteirar-me do serviço e da parte da população prisional.

Cadeia de Apoio de Guimarães

A alimentação era fornecida por um restaurante próximo da Cadeia, “O Castelo” servia bem, embora houvesse um ou outro recluso que fizesse criticas. Acompanhava quase sempre as refeições. É nesses momentos em que está presente toda população prisional e merece mais atenção da nossa parte. No refeitório havia disciplina. Primeiro entravam os reclusos que eram os chefes de mesa. Ao entrar levantavam dez garfos e dez colheres, quantos cada mesa comportava de reclusos. O recluso faxina do refeitório estava ali à entrada para os dar. De seguida dirigiam-se para as mesas. Quase sempre para a mesma. O chefe de mesa recebia a senha do vinho, cerveja ou sumo, tinham cores diferentes. Estas senhas eram compradas de véspera na cantina da Cadeia. O faxina da cantina servia a bebida conforme a entrega da senha. Aqui os guardas de serviço ao refeitório tinham que controlar a bebida para não haver trocas. Quando todos acabavam de comer o chefe de mesa recebia os talheres e ia entregá-los ao faxina do refeitório. Se faltasse algum não saía ninguém até aparecer. O chefe de mesa pedia autorização ao guarda mais graduado para saírem do refeitório. Este por sua vez verificava se estava tudo normal: copos vazios. Podia haver algum recluso que tentasse levar vinho ou cerveja para a cela e fazer acumulação e mais tarde embebedar-se. Uma vez o recluso José “Lingrinhas” tratou mal um seu colega. Mandei-o calar. Não obedeceu. Mandei-o abandonar o refeitório. Barafustou mais. Tive de o mandar encerrar na cela disciplinar. Não tínhamos outras para esse efeito. Mesmo na disciplinar começou a fazer disparates. Desloquei-me ali e avisei-o que cada vez a sua situação se agravava mais. Disse-me que era um fascista. Esse dia era o dia 25 de Abril. O recluso “Lingrinhas” estava em trânsito. Pertencia ao E. P. Paços de Ferreira, quando se encontravam neste tipo de Cadeia, queriam mostrar aos outros, que são superiores e mais cadastrados. Já o conhecia assim como ele a mim. Por isso a minha admiração pelo seu comportamento. Tinha uma língua afiada. Mais afiada que uma faca. Em liberdade foi assassinado. Era o que se previa. Quanto a mim não se perdeu nada. A sua casa era a cadeia.
Havia reclusos com penas grandes mas tinham bom comportamento e acabaram por ficar ali afectos. Houve um recluso que um dia pediu para eu o atender. Mandei-o chamar ao gabinete da chefia da guarda e perguntei-lhe o que desejava. Disse-me que a sua pena era de nove meses e que o advogado lhe tinha dito para recorrer e se o podia aconselhar. Disse-lhe que não gostava de dar opiniões. Sabia que os advogados levavam a mal. Como era um recluso carenciado de tudo disse-lhe que se recorresse e o juiz o quisesse tramar dava-lhe uma pena de seis meses e aí é que era lesado. Para se beneficiar da flexibilidade da pena a condenação tem de ser superior a seis meses e um dia. Como era condenado só a seis meses, perdia a regalia de poder beneficiar de uma saída precária prolongada e de uma possível liberdade condicional. Assim fez e beneficiou de ambas.
No dia de ser libertado a mãe veio buscá-lo e pediu para falar comigo. Dirigi-me à portaria, perguntei o que desejava. Disse-me que era para me oferecer uma prenda pelo que fiz ao filho. Disse-lhe que não estava habituado a esse tipo de coisas e ordenei que a pusesse fora dos terrenos da cadeia enquanto aguardava pelo filho. Sei que fui brusco. Era uma senhora humilde. Fazia-me lembrar a minha mãe. Mas não estava para pactuar com esse tipo de situações. Pela vida fora fui abordado por várias vezes com situações iguais. Em casa, disse, que na minha ausência não aceitassem nada de ninguém.
No fim do ano abre concurso para fornecimento da alimentação, mediante aviso em três jornais diários e com bastante audiência. Concorreram vários e quem ganhou foi o restaurante Lobo que estava sediado no edifício dos Bombeiros de Guimarães. Começou a servir razoavelmente, passado pouco tempo, começou a faltar qualidade e quantidade. Avisei-o que havia uma contestação por parte dos reclusos, que remediasse o problema, se não punha-o por escrito ao Director. Como não mudava e para não haver grandes problemas na população prisional, (quando a barriga padece a cabeça não pensa) fiz a comunicação ao Director.
Passado um tempo fui chamado ao Director para me dar conhecimento do despacho da Direcção Geral, sobre o assunto. Dizia o seguinte: que o declarante usou em sua defesa que todos os dias vinha uma marmita a mais - a alimentação vinha servida neste tipo de recipiente - e que eu a comia e não o referia na participação, “notei que o Director ao ler esta parte fez uma certa acentuação” deixei que acabasse de ler o restante. Depois de lido todo o despacho disse que me admirava com o que ouvia. Pedi-lhe para ver o que constava do contrato celebrado entre as partes, se lá não referia que todos os dias tinha de vir uma marmita à parte para servir de prova. Que me admirava do que ele - Director - andava ali a fazer e não defendia os funcionários que estavam a seu cargo de tais calúnias. Quando se deslocava à Cadeia de manhã e ia após o almoço para Braga, quando se levava a ele a amostra, para fazer a prova essa marmita vinha de onde? Para chamar o recluso responsável pela distribuição da alimentação a ver se não confirmava que a marmita que servia de prova, depois de a prova ser feita, não a mandava para dentro caso algum recluso desejasse repetir. Que também informasse a Direcção Geral para verificar o teor do contrato e que enquanto ali estivesse nunca mais provava a alimentação.
Um dia o Guarda motorista tinha de levar o Director a Braga, havia muito serviço da parte da tarde, pedi-lhe para vir rápido para darmos vazão ao mesmo. O motorista nunca mais chegava. Quando chegou disse-lhe: parece impossível. Argumentou que demorou muito tempo com o Director no restaurante dos Bombeiros à espera que lhe servissem a alimentação para o director levar para casa. Onde estava a seriedade! Bem prega frei Tomás…
Continua

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