Rádio Freamunde

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quarta-feira, 4 de agosto de 2010

O nosso dia-a-dia:

Os dias iam decorrendo. Cada vez estávamos mais familiarizados com as nossas funções. De vez em quando ia um pelotão fazer uma operação e quando chegavam vinham sujos e cansados, mas contentes. Tinha corrido tudo bem.Um dia numa operação e quando se encontravam no trilho da mata, - uma vez ia-se pelo trilho outras a corta mato, como se dizia - ouviu-se um tiro, todos se atiraram para o chão menos o Barroso, rádio telefonista, ao que o alferes lhe perguntou porque não fez o mesmo. O Barroso respondeu-lhe que tinha sido ele que deu o tiro para ver se os atiradores estavam operacionais. A este, o cacimbo já estava a fazer efeito, não me lembro se foi castigado. As operações sucediam-se, até que chegou uma a nível do sector. As operações a nível de sector eram mais difíceis e perigosas. Quase sempre éramos aerotransportados por helicópteros, deixados num sítio e passados uns dias, quase sempre eram três, vinham-nos buscar, mas já tínhamos patrulhado uns quarenta quilómetros de mata.


A tratar da lavagem da roupa
As matas eram densas, principalmente a do Quifuso, e de difícil acesso. Se houvesse trilhos nunca íamos por eles, os nossos guias, tínhamos dois, o Dezoito e o Sebastião, não aconselhavam. O Dezoito já era guia da companhia que fomos render, o Sebastião foi capturado por nós.
Um dia numa coluna a Quicabo, quando regressávamos era perto do meio-dia, todos vínhamos com fome, as viaturas Unimogs (burros de mato) era a que mais podia andar. Vinha na última e deparei com dois vultos a esconderem-se na mata. Mandei parar a viatura, fizemos um reconhecimento e deparamos com dois rapazes, com idade mais ou menos de 14 anos.
Quando chegamos ao quartel fomos dar conhecimento ao capitão. Houve alguns soldados que nos criticaram por os trazer, dando a entender, que os devíamos ter matado. Não os denunciei, tive pena deles (soldados) por mostrarem fraca formação humana. Sabia que nos iam dar trabalho. Quando capturávamos algum, passado pouco tempo, eles serviam-nos de guia para fazermos uma batida aos seus antigos acampamentos.

Partida para uma operação a nivel de sector
Nas operações a nível de sector vinham os pára-quedistas e comandos para colaborar nelas. Vinham espevitar as abelhas, depois éramos nós que aguentávamos com elas. Nestas operações - nas que participei - nunca houve problemas de maior, tanto para nós como para o inimigo, a não ser destruir-lhes os acampamentos.
Estavam quase sempre localizados à beira-rio e debaixo de uma densa floresta de Embondeiros. Quando atacávamos os acampamentos já os aviões, “caças” tinha-os bombardeado e não encontrávamos vivalma. Tentávamos destruir as cubatas, eram rijas, feitas de cana de bambu e cobertas com capim.
Um dia no começo de uma operação, de manhã, num laranjal houve trocas de tiros, eles fugiram, fizemos-lhes uma baixa. O Sebastião informou o capitão para mudarmos de objectivo para não sermos surpreendidos. Por obra do acaso fomos ter a um acampamento que antes três meses tínhamos lá estado.
Fomos avistados e então começamos a ser insultados com as seguintes frases: ide para o puto (puto, era Portugal) seus cabrões, o Salazar já morreu, só queria saber quem me deu cabo das portas da minha cubata, seus filhos da puta. Se soubesse ler, sabia quem foi. Foi o primeiro-cabo, rádio telefonista, Sancho e eu, mas fui contra a ideia de deixarmos lá o nosso nome. Nessa noite fomos sempre bombardeados. No outro dia fizemos um ataque ao acampamento mas não havia lá ninguém. Deviam ter esconderijos subterrâneos.

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