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sexta-feira, 31 de maio de 2013

A minha família:

Nunca escrevi nenhum texto sobre ela. Não por falta de temas mas sim porque entendia que quem me lesse julgava que estava a ser coruja e só revelava o lado bom. Não é esse o caso. Quem a conhecia sabe que era humilde e que tanto o meu pai como minha mãe também eram filhos dessa humildade. 
Mais a mais, o meu pai era filho de mãe solteira, nunca teve muita afinidade com ela, mais tarde veio para nossa casa  doente, passado uns dois anos veio a falecer.
Recordo-me dela mas a simpatia era pouca porque sou adepto de que quem meus filhos beija minha boca adoça. E, não foi o que aconteceu com o meu pai. A boca dele sempre esteve azeda.
Dos pais da minha mãe, António Pacheco e Isabel Ribeiro, tinha por eles um carinho especial. Várias vezes ia a sua casa e lá me ofereciam um pouco do pouco que tinham. 
As minhas tias, - só tinha tias - Isaura, Melânia, Francisca e Eva, esta com esse nome, porque a profecia dizia que num conjunto de cinco filhos seguidos se fosse do sexo masculino o quinto tinha de se chamar Adão, no caso do feminino, Eva. Hoje, das cinco, está viva a Francisca que casou e passou a viver em S. Mamede de Negrelos, S. Tirso.
Como ia dizendo, meu pai foi criado com a sua avó. Também desconheço quem era o seu marido, neste caso meu bisavô,  pois nunca o meu pai se referira a ele. Era sempre à sua avó e com um carinho especial. Por esse motivo julgo que o meu pai a tinha como uma mãe. A quantos isso aconteceu!
Meu pai aprendeu a profissão de serralheiro civil e pela vida fora a única que exerceu. Minha mãe foi para criada de servir logo que terminou a instrução primária. Era o que esperavam as crianças desse tempo. Na casa de seus pais era uma boca a menos a comer.  E, para ela, o futuro passou a ser mais sorridente. Até que começou a namorar com o meu pai. 
Nessa altura, primeira metade do século passado, era esta a sina de quem vinha das chamadas famílias pobres. Como todos, pobres e ricos, quando atingiam a maior idade pensavam em casar para formar família. Depois de acabado o serviço militar resolveram juntar os trapos, que é o mesmo que dizer: casar. Era assim naquele tempo. 

Havia, um ou outro casal, que se "amantizava", era o termo usado, hoje diz-se "união de facto", que é o que faz a maioria dos nossos jovens. Assim, a quatro de Agosto de mil novecentos e quarenta e seis os meus pais resolveram dar o sim na Igreja Matriz de Freamunde.
Meu pai continuou a trabalhar na Fábrica de Albino de Matos Pereira & Barros, “Fábrica Grande”, sendo sócio o dono da casa em que minha mãe servira. Certo é que minha mãe passou a lá ir para ajudar nalguma coisa e ser correspondida com qualquer dádiva para fazer face à vida. 
Assim nasceu-lhes primeiro uma menina. Depois calhou-me a mim. Num dia de Janeiro lá vim ao mundo. Não sei a maneira e o sofrimento que causei a minha mãe. Não tenho a memória de Marinho e Pinto.
"É assim que nasce um ser humano. E esse momento é belo também porque a mulher que berrava de dores passa a rir-se de alegria e beija pela primeira vez esse filho (em outras espécies animais, as mães são ainda mais autênticas pois lambem demoradamente os recém-nascidos). Esse momento é belo, sobretudo, porque é o instante em que as dores da vida se metamorfoseiam na felicidade apoteótica da maternidade e da paternidade. Eu lembro-me bem desse momento. Nunca esquecerei o momento em que nasci e, sobretudo, nunca esquecerei o primeiro beijo que a minha mãe me deu - quase moribunda por me ter parido.”
Depois, atrás de mim, vieram uns quantos até perfazer dez. Nesse tempo as famílias eram numerosas. Não sei se era por causa do abono de família ou se acontecia como a muitas que derivado à sua localização - viviam próximo de uma linha de comboio - e, como o comboio passava a horas inconvenientes só lhes restava duas soluções: para se porem a pé para irem trabalhar era cedo para dormir era tarde. Também não existia a televisão. O que é certo, é que lá vínhamos ao mundo.
Hoje, quase todos avós, quando nos juntamos lá vêm as peripécias familiares. Os mais velhos, como eu, com lamentações. Argumentando que não tivemos a sorte dos mais novos e que tiveram de se fazer à vida quer a trabalhar em fábricas, no que respeita aos sexo masculino, ou criadas de servir quer se tratasse do sexo feminino, e estas, dizendo que tiveram de abandonar os pais e a casa. 
Os mais novos dizendo que apanharam os pais mais velhos e mais rabuzentos. Os meus pais se fossem vivos enchiam-se de alegria e sorriam pelo que lhes era dado ouvir e  agradeciam a Deus, como crentes que eram, pela filharada que puseram no mundo e nos seres humanos que se tornaram. Sentindo-se felizes e realizados. Era assim a geração dos finais da década de quarenta e princípio de cinquenta.
Não me envergonho e gosto de relatar estes factos. Há quem se retraia e diga que não podemos escolher os pais. Mas se isso fosse possível escolhia os que tive. Porque tive os melhores do mundo. Se não me puderam dar um futuro melhor isso deveu-se a quem nos governava. 
Esses é que deviam ter vergonha e ser responsabilizados pelo mal que nos causaram. Só sabiam governar à base do obscurantismo. E ter um povo inculto e necessitado é o lema das ditaduras. E, tanto meus pais, eu e meus irmãos somos filhos dessa ditadura. Que é o mesmo que dizer produto dessa governação. 
Aos meus pais, estejam onde estiver e, julgo que pessoas como eles só tem um lugar para estar: que é o Céu. Porque no "inferno" passaram eles uma vida.

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